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Os males da liberdade de escolha nos mais pequenos

Foto do escritor: ana netoana neto

Todos os verões, durante as nossas férias em família, havia a tradição de, a caminho das belas praias do Algarve, pararmos na zona da capital para fazermos compras.


Nós somos 3 irmãos. Todos jogávamos basquetebol e passar pelos grandes shoppings era a nossa oportunidade de conseguir aquelas sapatilhas que não existiam na nossa pequena cidade. Além disso, para a nossa mãe, era a oportunidade de comprar 3 pelo preço de 2 e nós não a chatearmos mais o resto da época.


Hoje, já homens e mulher feitos, ainda nos rimos quando relembramos estas tardes, pois havia um de nós que ficava sempre extremamente chateado, no que em português mais simples se diz de ‘com umas grandes trombas’. De tal maneira que passou a ser tradição fazermos um retrato de família, em que estamos todos contentes, excepto um dos meus irmãos cuja cara cerrada e braços cruzados passaram a ser imagem de marca.




Passados uns bons 15 anos, encontro-me agora num voo em direção ao meu amado Porto a ler o livro ‘Paradoxo da Escolha’, de Barry Schwartz, e eis que, num momento de estranha lucidez, aquelas tardes de verão ganham toda uma nova explicação.


De acordo com Schwartz, a cultura da abundância, ao contrário de nos trazer a alegria que todos pensamos própria da liberdade de escolha, traz, na verdade, menos satisfação.

Schwartz menciona uma série de estudos relativos a este assunto, mas há um que me causa maior surpresa: um grupo de participantes é dividido em 2 num supermercado gourmet — 1 dos grupos é convidado a fazer uma prova onde há 6 tipos diferentes de presuntos, no segundo grupo a variedade de presuntos passa a 24. A ambos os grupos é dado um desconto de 1$ para a compra de um dos presuntos, à escolha, depois da prova. Os resultados são inesperados: 30% das pessoas do primeiro grupo leva algo consigo enquanto apenas 3% do segundo grupo o fazem.


Schwartz desenvolve a argumentação ao longo do livro, clarificando que tendemos a ser mais afectados negativamente consoante o número de opções sobe e, além disso, quando medido o nível de satisfação, após estas experiências, constata-se que o nível de satisfação com a escolha tem tendência a ser maior se essa escolha for feita entre menos opções.

Isto acontece porque temos tendência a pensar sobre as coisas que podemos ter perdido ao não optar pelas outras opções ao nosso dispor, em vez de ficarmos satisfeitos com aquilo que escolhemos.


Além disso, o autor identifica ainda outro tipo de condição que pode acentuar estes sentimentos. Segundo Schwartz, há dois tipos de pessoas: maximizers e satisficers. Os primeiros tendem a analisar cuidadosamente todas as opções ao seu redor antes de fazerem uma escolha, pois pretendem garantir que a sua escolha é a melhor. Os segundos não.


O que acontece aos maximizers é que, na tentativa de optar pela opção perfeita, tendem a ter mais tendência para se arrepender.


Quanto mais opções temos, mais provável é que venhamos a sentir remorsos (tanto antecipada como posteriormente) — e isto é válido para sapatilhas, para comida, para brinquedos, etc..


Trazendo estas ideias de volta ao nosso retrato de família pós-compras, a vasta possibilidade que nos era oferecida pelas lojas da capital, acabava por deixar o meu irmão mais infeliz pelas sapatilhas que não escolheu do que satisfeito por ter um leque maior de escolha. A vida dele era muito mais simples nas pequenas lojas da nossa terra pois os remorsos limitavam-se a não ter escolhido a sapatilha B ou C, em vez de ficar a matutar o quão feliz ele teria sido se, em vez das A, tivesse escolhido qualquer outro par, das centenas de pares que a Nike punha ao nosso dispor.


Apesar da adição de opções poder potenciar a possibilidade de escolhermos algo que realmente gostamos, também aumenta a possibilidade de nos arrependermos de escolhas que não estão à altura das nossas expectativas.


Como em tudo, o facto de termos a consciência destes fenómenos, de sermos capazes de identificar quando eles surgem nas nossas vidas, já é o primeiro passo.


 

Por isso, quando as vossas crianças passarem por alguma semelhante, ajudem-nas a identificar o que se está a passar, ajudem-nas a perceber o porquê do conflito interior.

Essencialmente, ajudem-nas a lidar com a situação, sem conflito.


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